“Uma Historia sobre um professor
de química com 50 anos que descobre que tem cancro e, deprimido, resolve
começar a fabricar droga.” Esta tem sido a minha resposta à incontestável
questão, “isso é sobre o quê?”, quando digo a alguém o quão tem de começar a
ver Breaking Bad. Mas na verdade tenho respondido mal, não tenho sido justo
para com a série e não tenho conseguido fazer justiça à complexidade narrativa
da obra idealizada e criada por Vince Gilligan. Aquilo que deveria ter dito,
no mínimo, seria qualquer coisa deste género: “É um caminho de transformação.
Uma história sobre a mudança de Walter White e de como cada uma das suas
decisões vai alterar o rumo e a personalidade de 5 personagens. É o acompanhar
do capítulo mais negro na vida de um ordinary man que vê nascer o seu ego sob a
forma de Heisenberg, o Scarface da TV”.
Este artigo nasce na necessidade
de expor a bolha interior que cresceu ao longo de 3 anos a seguir este Drama.
Foram 62 episódios, num total de 60 horas, a acompanhar semana após semana
desde o início da 3ª temporada (as duas primeiras já tinham saído quando
comecei) até ao final mais bem conseguido que vi. Gilligan cria um mundo em
seu redor e foca-se na transformação de 4 personagens, contada a cada segundo,
a cada frame e a cada linha de argumento. Cada cena sustenta a anterior e a cada
decisão há uma sequência interminável de acontecimentos. Coisa que só seria
possível se a obra idealizada já fosse, desde início, concebida para aquele
espaço de tempo, sem mais nem menos um episódio ou cena, sem haver prolongamento
de temporadas ou anúncios súbitos de novas ainda para vir. Breaking Bad teve 5
temporadas e ainda bem que assim foi.
Walter White vive uma vida modesta, num
bairro modesto, numa casa humilde e no ceio de uma família perfeita. Que se
quer com carinho, afecto e amor, tudo nos confortos de um lar de classe média
americana. Tem um filho adolescente (W.White Jr.) e uma mulher à espera do seu
segundo filho (Skyler e futura Holly). Vive a vida como professor de química no
ensino secundário, apesar de sentir o seu talento “mal” aproveitado. É-lhe
diagnosticado um cancro, aquando o seu 50º aniversário, e a vida parece-lhe desmoronar
à sua frente com a sensação que não deixou suficiente marca, nem independência
financeira para sustentar a família no futuro. Através de Hank (marido de
Marie, a sua cunhada), agente de investigação contra o narcotráfico, Walt (vulgarmente
chamado por Skyler) volta a dar de caras com um ex. aluno, problemático por
sinal, chamado Jesse Pinkman. Walter encontra-o numa rusga policial num local
de fabricação de Meth (crystal meth) e, já a atravessar um
período de depressão existencial, volta a tentar contactá-lo para se unir numa
parceria. Propõe “cozinhar” o crystal, se este concordar em distribuí-lo,
fazendo-se valer dos seus “bons” contactos e conhecimentos no mercado. Começa
assim, em suma, uma viagem pela metamorfose de um homem simples e humilde pela
fundação e desenvolvimento da sua personalidade até se tornar um vilão digno de
um verdadeiro filme de culto. No fim de contas é o próprio título do Drama,
Breaking Bad.
Em Breaking Bad não será o tema ou a
história o que fará desta obra uma das melhores de sempre na história do
entretenimento. Acredito numa receita composta por 6 elementos essenciais:
#1 – O cast. Composto por
actores principais e secundários absolutamente fabulosos, Brian Cranston, Aaron
Paul, Dean Norris, Anna Gunn, Rob Odenkrik, Giancarlo Esposito, Jonathan Banks…
entre outros. Citando Vince Gilligan na escolha de Bryan Cranston para o
papel: "You're
going to see that underlying humanity, even when he's making the most devious,
terrible decisions, and you need someone who has that humanity – deep down,
bedrock humanity – so you say, watching this show, 'All right, I'll go for this
ride. I don't like what he's doing, but I understand, and I'll go with it for
as far as it goes.' If you don't have a guy who gives you that, despite the
greatest acting chops in the world, the show is not going to succeed."
#2 – O argumento. Como Gilligan consegue
criar uma mudança tão grande não apenas numa, mas em inúmeras personagens ao
longo de toda a história. Não se admirem se por enquanto gostarem de Walter e
com o decorrer das temporadas esse “amor” se venha a deteriorar. O mesmo aplica-se,
por exemplo, embora que de forma inversa à personagem de Aaron Paul (Jesse). As
relações entre as personagens seguram, com firmeza, embora que dentro da sua
disfuncionalidade, o realístico ambiente vivido por cada uma delas e acabam por
justificar todo o seguimento tomado na cronologia de acontecimentos;
#3 – Aspectos técnicos. A escolha de
Albuquerque, New Mexico, para a
rodagem da série acabou por ser uma das maiores sortes para o seu rumo, em
termos de cinematic experience chegando
mesmo a ser denominado de “post-modern
Western”. A equipa de realização, fotografia, edição
usam da melhor forma possível a paisagem desértica da zona, através de inúmeras
cenas de time lapse e takes
panorâmicos de paisagem. Outra das técnicas vastamente usadas pela equipa são
os Point-of-view shots, usados em quase todos os episódios e em cenas e
sequências de importância maior. Mais uma vez palavras da crew, desta feita o
director de fotografia Michael Slovis: “This
isn’t just about looking like reality; this is about eliciting an emotion”. Estes
elementos colocam a série num lugar onde ainda nenhum outro TV-show esteve, o mais perto de uma
produção de cinema possível. Ao ver Breaking Bad, aquilo que sentia era que
estava a ver puro cinema, mas em formato para TV.
#4 – O culto. Os últimos 2 anos da vida de
Walter White sujeitam-se a ser carregados por fans até à eternidade. Vários
elementos foram inspirados em inúmeros filmes de culto e obras de grandiosidade
intemporal. Também Breaking Bad terá esse “fim”. Podemos ver referências, ou
simplesmente semelhanças a filmes como Scarface, Pulp Fiction, The Godfather, Sunset Blvd. e
Reservoir Dogs quer seja em aspectos técnicos, o caminho para o qual o
argumento se vai destinando, nomes de personagens e até expressões e one linners. Nunca fiz as contas, mas
era capaz de afirmar que se ouve o “bitch”
de Jesse mais vezes que o “fuck” de TonyMontana. Não me recordo de ver nos últimos anos uma série ou filme capaz de
gerar tantas vendas de canecas, T-Shirts, posters e apelar ao desenvolvimento
criativo de toda a legião de fans espalhada pelo mundo. Só mostra a dimensão e
impacto que a série teve numa comunidade cada vez mais alargada de “consumidores”.
Breaking Bad comparando com Sunset Blvd. |
Breaking Bad comparando com Pulp Fiction |
homenagem a Scarface, fan made |
homenagem a The Godfather, fan made |
#5 – O seu final. NO SPOILERS-NO STRESS!
Um dos finais mais épicos de sempre, pelo que tenho lido, ao contrário de
muitas outras séries, aquele que conseguiu fazer justiça a toda uma pirâmide de
emoções, decisões e acontecimentos levados a cabo ao longo da a série.
Para mim, o seu final é no antepenúltimo episódio, aquele que me deu a melhor
hora passada a ver uma série, o mais conclusivo e aquele que que se sente que
já não haverá volta a dar.
#6 – Crescendo.
Nenhuma outra série se apresentou para mim com um escalar de emoções tão
acentuado. É muito comum, isto para quem está habituado a ver séries, aquela
afirmação, “para mim a 1ª temporada foi a melhor” ou “gostei mais da anterior”.
Meus amigos, em Breaking Bad não acontece. Esperem para ver uma 1ª temporada
pior que a 2ª. Uma 2ª pior que a 3ª. E nesse crescendo continuará até culminar
no final da última temporada com cada episódio a ser mais satisfatório que o
anterior.
A receita de Gilligan irá perdurar, tal
como séries como The Sopranos, que não considero tão inovadora como esta.
Breaking Bad foi uma viagem a uma nova dimensão no entretenimento que elevou a
fasquia no mundo da TV. E após 5 temporadas o reconhecimento da crítica chegou,
finalmente. A série entrou no livro do Guiness como a mais bem cotada de sempre
no site Metacritic, ao arrancar um impressionante resultado de 99/100 para a
sua última temporada. Venceu o Emmy e Globo de ouro para melhor série Drama e
tem as suas últimas 4 temporadas aprovadas por 100% dos críticos no site
RottenTomatoes. Um reconhecimento digno, daquela que para mim é a melhor série
de TV. A mais inovadora, mais visionária e mais bem conseguida de sempre. Mas
questiono-me, porque é que será que só ao fim de 5 temporadas, reconhecimento
da crítica e vitórias em prémios de renome, a série começa a ser transmitida em
Portugal, embora que ainda timidamente?
Sempre tive inveja dos meus pais e
parentes que eram vivos enquanto saiam álbuns novos de Pink Floyd, Queen ou
Beatles. A sorte que tiveram por ver tudo isso acontecer à frente dos seus
olhos (ouvidos neste caso). E é por isso que me sinto um felizardo por ter
acompanhado esta masterpiece enquanto esteve a ser criada, por isso e pela
espera agoniante que senti a cada semana.
Foram 62 episódios e 60 horas. As poucas
horas da minha vida que posso dizer com toda a certeza que não perdi.
Provavelmente até as duplicarei para 120…
"If that’s true, if you don’t know who I am, then maybe your best course… would be to tread lightly"
Muito bom!!
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