sábado, 25 de janeiro de 2014

"Because I say so" - Breaking Bad aos meus olhos



“Uma Historia sobre um professor de química com 50 anos que descobre que tem cancro e, deprimido, resolve começar a fabricar droga.” Esta tem sido a minha resposta à incontestável questão, “isso é sobre o quê?”, quando digo a alguém o quão tem de começar a ver Breaking Bad. Mas na verdade tenho respondido mal, não tenho sido justo para com a série e não tenho conseguido fazer justiça à complexidade narrativa da obra idealizada e criada por Vince Gilligan. Aquilo que deveria ter dito, no mínimo, seria qualquer coisa deste género: “É um caminho de transformação. Uma história sobre a mudança de Walter White e de como cada uma das suas decisões vai alterar o rumo e a personalidade de 5 personagens. É o acompanhar do capítulo mais negro na vida de um ordinary man que vê nascer o seu ego sob a forma de Heisenberg, o Scarface da TV”.



Este artigo nasce na necessidade de expor a bolha interior que cresceu ao longo de 3 anos a seguir este Drama. Foram 62 episódios, num total de 60 horas, a acompanhar semana após semana desde o início da 3ª temporada (as duas primeiras já tinham saído quando comecei) até ao final mais bem conseguido que vi. Gilligan cria um mundo em seu redor e foca-se na transformação de 4 personagens, contada a cada segundo, a cada frame e a cada linha de argumento. Cada cena sustenta a anterior e a cada decisão há uma sequência interminável de acontecimentos. Coisa que só seria possível se a obra idealizada já fosse, desde início, concebida para aquele espaço de tempo, sem mais nem menos um episódio ou cena, sem haver prolongamento de temporadas ou anúncios súbitos de novas ainda para vir. Breaking Bad teve 5 temporadas e ainda bem que assim foi.



Walter White vive uma vida modesta, num bairro modesto, numa casa humilde e no ceio de uma família perfeita. Que se quer com carinho, afecto e amor, tudo nos confortos de um lar de classe média americana. Tem um filho adolescente (W.White Jr.) e uma mulher à espera do seu segundo filho (Skyler e futura Holly). Vive a vida como professor de química no ensino secundário, apesar de sentir o seu talento “mal” aproveitado. É-lhe diagnosticado um cancro, aquando o seu 50º aniversário, e a vida parece-lhe desmoronar à sua frente com a sensação que não deixou suficiente marca, nem independência financeira para sustentar a família no futuro. Através de Hank (marido de Marie, a sua cunhada), agente de investigação contra o narcotráfico, Walt (vulgarmente chamado por Skyler) volta a dar de caras com um ex. aluno, problemático por sinal, chamado Jesse Pinkman. Walter encontra-o numa rusga policial num local de fabricação de Meth (crystal meth) e, já a atravessar um período de depressão existencial, volta a tentar contactá-lo para se unir numa parceria. Propõe “cozinhar” o crystal, se este concordar em distribuí-lo, fazendo-se valer dos seus “bons” contactos e conhecimentos no mercado. Começa assim, em suma, uma viagem pela metamorfose de um homem simples e humilde pela fundação e desenvolvimento da sua personalidade até se tornar um vilão digno de um verdadeiro filme de culto. No fim de contas é o próprio título do Drama, Breaking Bad.

Em Breaking Bad não será o tema ou a história o que fará desta obra uma das melhores de sempre na história do entretenimento. Acredito numa receita composta por 6 elementos essenciais:

#1 – O cast. Composto por actores principais e secundários absolutamente fabulosos, Brian Cranston, Aaron Paul, Dean Norris, Anna Gunn, Rob Odenkrik, Giancarlo Esposito, Jonathan Banks… entre outros. Citando Vince Gilligan na escolha de Bryan Cranston para o papel: "You're going to see that underlying humanity, even when he's making the most devious, terrible decisions, and you need someone who has that humanity – deep down, bedrock humanity – so you say, watching this show, 'All right, I'll go for this ride. I don't like what he's doing, but I understand, and I'll go with it for as far as it goes.' If you don't have a guy who gives you that, despite the greatest acting chops in the world, the show is not going to succeed."

#2 – O argumento. Como Gilligan consegue criar uma mudança tão grande não apenas numa, mas em inúmeras personagens ao longo de toda a história. Não se admirem se por enquanto gostarem de Walter e com o decorrer das temporadas esse “amor” se venha a deteriorar. O mesmo aplica-se, por exemplo, embora que de forma inversa à personagem de Aaron Paul (Jesse). As relações entre as personagens seguram, com firmeza, embora que dentro da sua disfuncionalidade, o realístico ambiente vivido por cada uma delas e acabam por justificar todo o seguimento tomado na cronologia de acontecimentos;

#3 – Aspectos técnicos. A escolha de Albuquerque, New Mexico, para a rodagem da série acabou por ser uma das maiores sortes para o seu rumo, em termos de cinematic experience chegando mesmo a ser denominado de “post-modern Western”. A equipa de realização, fotografia, edição usam da melhor forma possível a paisagem desértica da zona, através de inúmeras cenas de time lapse e takes panorâmicos de paisagem. Outra das técnicas vastamente usadas pela equipa são os Point-of-view shots, usados em quase todos os episódios e em cenas e sequências de importância maior. Mais uma vez palavras da crew, desta feita o director de fotografia Michael Slovis: “This isn’t just about looking like reality; this is about eliciting an emotion”. Estes elementos colocam a série num lugar onde ainda nenhum outro TV-show esteve, o mais perto de uma produção de cinema possível. Ao ver Breaking Bad, aquilo que sentia era que estava a ver puro cinema, mas em formato para TV.



#4 – O culto. Os últimos 2 anos da vida de Walter White sujeitam-se a ser carregados por fans até à eternidade. Vários elementos foram inspirados em inúmeros filmes de culto e obras de grandiosidade intemporal. Também Breaking Bad terá esse “fim”. Podemos ver referências, ou simplesmente semelhanças a filmes como Scarface, Pulp Fiction, The Godfather, Sunset Blvd. e Reservoir Dogs quer seja em aspectos técnicos, o caminho para o qual o argumento se vai destinando, nomes de personagens e até expressões e one linners. Nunca fiz as contas, mas era capaz de afirmar que se ouve o “bitch” de Jesse mais vezes que o “fuck” de TonyMontana. Não me recordo de ver nos últimos anos uma série ou filme capaz de gerar tantas vendas de canecas, T-Shirts, posters e apelar ao desenvolvimento criativo de toda a legião de fans espalhada pelo mundo. Só mostra a dimensão e impacto que a série teve numa comunidade cada vez mais alargada de “consumidores”.

Breaking Bad comparando com Sunset Blvd.

Breaking Bad comparando com Pulp Fiction
homenagem a Scarface, fan made
homenagem a The Godfather, fan made


#5 – O seu final. NO SPOILERS-NO STRESS! Um dos finais mais épicos de sempre, pelo que tenho lido, ao contrário de muitas outras séries, aquele que conseguiu fazer justiça a toda uma pirâmide de emoções, decisões e acontecimentos levados a cabo ao longo da a série. Para mim, o seu final é no antepenúltimo episódio, aquele que me deu a melhor hora passada a ver uma série, o mais conclusivo e aquele que que se sente que já não haverá volta a dar.

#6Crescendo. Nenhuma outra série se apresentou para mim com um escalar de emoções tão acentuado. É muito comum, isto para quem está habituado a ver séries, aquela afirmação, “para mim a 1ª temporada foi a melhor” ou “gostei mais da anterior”. Meus amigos, em Breaking Bad não acontece. Esperem para ver uma 1ª temporada pior que a 2ª. Uma 2ª pior que a 3ª. E nesse crescendo continuará até culminar no final da última temporada com cada episódio a ser mais satisfatório que o anterior.

A receita de Gilligan irá perdurar, tal como séries como The Sopranos, que não considero tão inovadora como esta. Breaking Bad foi uma viagem a uma nova dimensão no entretenimento que elevou a fasquia no mundo da TV. E após 5 temporadas o reconhecimento da crítica chegou, finalmente. A série entrou no livro do Guiness como a mais bem cotada de sempre no site Metacritic, ao arrancar um impressionante resultado de 99/100 para a sua última temporada. Venceu o Emmy e Globo de ouro para melhor série Drama e tem as suas últimas 4 temporadas aprovadas por 100% dos críticos no site RottenTomatoes. Um reconhecimento digno, daquela que para mim é a melhor série de TV. A mais inovadora, mais visionária e mais bem conseguida de sempre. Mas questiono-me, porque é que será que só ao fim de 5 temporadas, reconhecimento da crítica e vitórias em prémios de renome, a série começa a ser transmitida em Portugal, embora que ainda timidamente?



Sempre tive inveja dos meus pais e parentes que eram vivos enquanto saiam álbuns novos de Pink Floyd, Queen ou Beatles. A sorte que tiveram por ver tudo isso acontecer à frente dos seus olhos (ouvidos neste caso). E é por isso que me sinto um felizardo por ter acompanhado esta masterpiece enquanto esteve a ser criada, por isso e pela espera agoniante que senti a cada semana.
Foram 62 episódios e 60 horas. As poucas horas da minha vida que posso dizer com toda a certeza que não perdi. Provavelmente até as duplicarei para 120…

"If that’s true, if you don’t know who I am, then maybe your best course… would be to tread lightly"



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